quinta-feira, 17 de maio de 2012

o professor...




e hoje estou doente. não consegui dormir toda a noite. meu querido h. adams sumiu, não me dá notícias. a sobrinha da vizinha continua me seduzindo, fico espiando ela pela janela e meu coração dispara toda vez que me sorri. mas ando distraída. pensando mais em antigos amores que nela. quase não penso em h. sei que a distância está me afastando dele. 
só de imaginar ele sorrindo, se divertindo, cuidando de outro alguém me dá coceira nas veias. mas nem isso tem me preocupado muito. estou definitivamente doente. apática ao mundo, sem vontade de nada, com uma tosse chata que me faz definhar um pouco. 
faz mais de três semanas que meu teodoro querido me enviou flores do jardim que ele mesmo cultiva. "para a dona da minha vida", dizia o bilhetinho. ah teodoro, téo, você e seus bilhetinhos. você me faz feliz. acredito que é você que está me deixando doente com a sua ausência. 
nossa história é um tanto confusa. conheci o téo quando era uma menina. naquela época eu gostava de correr perto do riacho na pequena fazenda dos meus pais. naquela época por aqui tudo era uma fazenda, depois o terreno foi loteado e virou condomínio. a casa velha dos meus pais está em pé até hoje, resistindo. é nela que moro. téo era uns dez anos mais velho que eu, já tinha estudado longe, formação acadêmica superior. 
quando eu passeava sem rumo, de longe sentia ele me perseguindo com o olhar curioso. eu sabia que ele estava ali, mas fazia de conta que não o via. 
um dia já com os pés sujos e as canelas molhadas de tanto correr na grama, procurei uma pedra pra sentar, uma sombra e dei de cara com téo sentado embaixo de uma árvore, lendo. encostado na árvore, uma perna esticada e a outra dobrada, atento, de óculos que quase caiam do rosto, mergulhado nas página amareladas de um romance. 
estanquei e fiquei olhando aquela figura. meu coração disparou e de repente fiquei sem saber se ia embora ou me aproximava. enquanto eu respirava fundo pra decidir, ele levantou os olhos na minha direção e sorriu. aquele sorriso tímido, meio sem graça. eu que carregava os sapatos na mão deixei um deles cair e quase escorreguei pra tentar pegar. téo levantou pra me ajudar. nem precisou mas eu adorei. 
téo era reservado, magricelo, branquelo, cabelo sempre desgrenhado. falava rápido, meio nervoso. tinha um jeito todo dele. quando ele caminhava se atrapalhava com os próprios pés. eu achava puro charme. ele perguntou meu nome, respondi e sorri de volta. 
me chamou pra sentar ao lado dele, ofereceu água e alguma fruta que trazia numa cesta. téo era doce, sonhador. tinha todas as certezas e ao mesmo tempo nenhuma convicção das coisas. falava como um menino. era inteligente, culto, irônico, adorável. sentei ao lado dele e não parei um minuto de encarar aquele rosto. eu nem piscava. ele falou de música, de teatro, de imagens, contou histórias. o tempo passou e eu nem senti. 
a noite chegou e fui pra casa nas nuvens. no jantar a família reunida à mesa, lareira crepitando porque o frio estava já se instalando entre a gente, meu sorrisinho não se desfazia. 
- minha filha, vou contratar um professor para te dar reforço nas tarefas da escola...ouvi falar de um senhor letrado que acabou de chegar e já acertei com ele...
- ah pai!? não precisa! choraminguei eu já calculado que minhas tardes perto do riacho estavam no fim ...
- por favor? disse eu sedutoramente, mas nada adiantou.
fui dormir triste e não tive como segurar minhas lágrimas diante daquele destino que se apresentava.
- vou fugir, entro em acordo com o velho professor e finjo que estou fazendo as tarefas. e assim corro pra ver meu lindo e desajeitado leitor, pensei eu, planejando o dia seguinte. 
acordei com a cara inchada de tanto chorar. murmurei um bom dia e fui avisada que o novo mestre estava me esperando na biblioteca. e que a pequena fran (a filha mais velha da minha ama de leite, chamada carinhosamente de "pequena" porque era gorda e grande) ficaria do lado de fora da porta pra evitar que eu saísse às escondidas. lá se iam meus planos. 
como um cordeiro indo pro matadouro, fui eu já pensando em ser muito mal educada e perversa para que o tal mestre desistisse e pedisse pra ir embora. tanta foi minha surpresa que mal contive minha alegria ao entrar na biblioteca e encontrar téo sentado. deu de meu pai pedir para ele, logo ele, ser o tal senhor que ia me ajudar nos estudos. me senti a pessoa mais feliz do mundo. corri pra perto dele e nos sentamos bem próximos. 
ele insistia em abrir um livro que eu nem sabia qual era. não ouvia as ordens, só o ritmo das palavras. só tinha olhos para aquela boca grande dele, com uns lábios generosos, que sorriam mais que falavam. ele percebeu que eu não estava interessada e começou a ler um poema. estávamos tão perto um do outro que eu conseguia sentir o cheiro do hálito dele, do perfume discreto. o cabelo era fino e bagunçado, cheirava a bebê. sem querer a mão de téo raspou na minha e foi como se uma descarga elétrica tomasse conta do meu corpo. e assim, já por querer, ele passou a raspar a mão na minha ao longo dos dias que vieram em seguida.
passávamos três, quatro horas estudando. eu já não fazia mais nada a não ser pensar nele. algumas vezes a pequena fran levava café e biscoitos e percebia no ar nossos sorrisinhos bobos. a mão de téo agora não roçava só na mão, passou a tocar distraidamente meu braço. eu comecei a deixar quase sem querer, com ar blasé, que meus peitos encostassem nele. a pele dele arrepiava. e se estivessemos conversando meio longe, meus pés encostavam nas pernas dele. 
um dia deixei os pés na perna dele por mais tempo e fiquei acariciando téo por baixo da mesa. a mão dele procurou a minha também por baixo da mesa, e ficamos de mãos dadas e pernas entrelaçadas. nos olhamos. e no momento seguinte téo me beijou. respondi ao beijo dele com fúria, desejo. me entreguei , me joguei nos braços dele. 
e todo dia tínhamos o ritual da sedução, mãos e pernas se procuravam, beijos ficavam mais quentes. até que um dia eu fui estudar sem calcinha. téo desconfiou de alguma coisa, eu estava mais elétrica que das outras vezes e na hora do beijo afoito ele passou a mão pelo meu corpo e percebeu o que eu tinha feito. ele sussurrou meu nome e se entregou a me beijar, me tocar, se ajoelhou no chão e puxou meu vestido pra cima. 
téo me lambeu, me fez gozar na boca dele, e fizemos amor selvagem, louco, sedento em cima da mesa da biblioteca. dali em diante téo começou a chegar mais cedo e sair mais tarde. já ficava para o jantar e falava pro meu pai o quanto eu estava evoluindo nos estudos. eu ria baixinho da cara de pau dele. nos amamos por um ano inteiro. 
téo cada vez mais me ensinava coisas do sexo que eu nem sonhava que existiam. fiquei completamente dependente dele. do toque, do suor, da respiração, do gosto. ou eu estava com ele ou estava dormindo. às vezes nos encontrávamos à noite perto do riacho. mesmo depois das aulas da tarde. eu nem comia direito, nem nada. 
um belo dia téo não foi me ver. fiquei imediatamente preocupada. será que aconteceu alguma coisa? será que ele está doente? assim foi por uns três dias. eu montei guarda na janela do andar de cima e não via ele chegando. comecei então a ficar doente, sem notícias. meu pai estava de viagem - ou afirmou que sim. chegou na noite em que eu já estava ardendo em febre e só chamava por téo. 
furioso meu pai mandou o empregado da fazenda ir buscar téo que morava no outro lado do riacho grande. eu não entendi a raiva dele. e lá se foi o seu martin procurar o senhordoutorprofessor (era assim que seu martin chamava téo, o meu téo). chegou seu martin uma hora depois, ofegante. e foi logo contando: 
- o téo. o senhor téo. ele foi embora! a mãe dele atendeu a porta e contou que ele foi transferido para outra cidade, com urgência e não conseguiu avisar ninguém. e pediu que eu entregasse esse bilhete pra senhorita. martin me entregou uma carta. era a letra de téo, sem dúvida. nela ele foi sucinto: "minha amada....você é eternamente dona da minha vida...vivo para respirar o mesmo ar que você.me afasto porque vou morrer de tanto te amar.pedi sua mão em casamento ao seu pai e ele me proibiu de vê-la, em que circunstância for. também me contou que você vai estudar no exterior e que já tem até um pretendente, no qual ele faz muito gosto. pra não tê-la e vê-la de longe, nos braços de outro, prefiro a morte e pra não morrer me afasto. um beijo do seu eterno amor, apaixonado, sempre seu, teodoro". fiquei doente por longos quatro meses. de cama, ardendo em febre, em prantos. disse a meu pai que não aguentava viver sem téo. foi quando ele me mandou mesmo estudar longe. 
muito tempo se passou, muitas histórias me rondaram, téo se transformou numa leve e agradável lembrança. todo o ano no meu aniversário eu recebia um bilhetinho que dizia apenas: um beijo para a dona da minha vida. mas nunca mais me senti proprietária da vida de téo.
voltei dos estudos, me estabeleci, envelheci, perdi meus pais e fiquei sabendo pela vizinhança que téo tinha casado, teve dois filhos. 
um dia téo voltou. e nos encontramos por acaso numa noite de lua cheia. eu continuei com certos hábitos, como molhar os pés no riacho. nesse dia fiquei por lá até a lua dar um sorriso de boas-vindas. não acreditei quando vi o meu téo ali, sorrindo, de braços abertos, me chamando. corri para abraçar o antigo amor da minha vida, e nossos corpos ficaram assim, colados, sentindo um ao outro por muito tempo. 
téo me olhou nos olhos. 
- dona da minha vida, como você está? 
ele tinha ainda o poder de me deixar muda.
- bem, eu acho. 
- voltei, disse ele. e soltou meu abraço. 
ele tinha voltado, mas com a família inteira, esposa, filhos e até dois cães orelhudos. minha alegria durou pouco. ansiosa para que ele não percebesse minha decepção, disse que estava com frio, meio gripada e precisava ir embora. convidei para um dia ele ir lá em casa e levar a esposa para tomar um café. 
- sim, nós vamos, disse ele.
- a pequena ainda cuida a porta da biblioteca? perguntou cheio de malemolência.
- não, a pequena fran também casou, e foi morar com a mãe e a irmã em uma cidadezinha aqui perto. ela agora cuida de crianças na escola. acho que sempre teve o dom para isso. ri, tímida pra ele. 
fui embora. e téo não me visitou, nem levou a esposa, nem nunca mais nos vimos, nem nos encontramos por acaso. desconfio que ele fez um esforço enorme pra isso. e mesmo assim muitas vezes senti aquele olhar que eu já conhecia desde quando era mais nova, aquela perseguição silenciosa. e assim ficamos, distantes. 
até uns anos atrás. ele deixou esposa e filhos, ou melhor, a esposa foi embora e levou os dois meninos. os cães morreram doentes, e téo morava com a mãe novamente, naquela enorme casa do outro lado do riacho. e o destino quis que nos encontrássemos de novo. o destino ou o desejo de téo. 
certo dia ele me mandou mais um de seus bilhetinhos e marcou de me visitar. eu já morava sozinha na casa da minha infância e aceitei receber téo. 
foi uma noite mágica, conversamos sobre nossas vidas nos últimos 20 anos e rimos, e choramos, e a mão dele encostou na minha. eu não era mais criança e mesmo assim senti aquele choque de anos atrás. ah meu téo. 
nos beijamos e fizemos amor mais uma vez em cima da mesa da biblioteca. e assim tem sido por muitas noites. muitas tardes. às vezes ele some. às vezes eu sumo. quando meu amado h. está por perto téo só distribui sorrisos e gentilezas. h. não sabe do meu carinho, do meu amor, do meu tesão pelo professor despenteado. seu martin ainda trabalha por aqui, não exijo nada dele, está velhinho, o coitado, mas me ajuda bastante no jardim. e vez por outra pergunta como está o senhordoutorprofessor, e eu respondo que bem. e seu martin ri falando: - menina, você vai ficar doente de novo se ficar longe dele, hein? e eu retribuo o sorriso. é, seu martin tem razão. estou doente. não consegui dormir a noite inteira. já são mais de três semanas sem ver téo. acho que desta vez quem vai mandar o bilhetinho sou eu . e é pra já.

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